O mar - 
                  indecifrável universo - já convivia com ele de maneira 
                  próxima, desafiadora. A casa de seus pais, Dr. Caio Porto e 
                  Dra. Kátia, na Ponta-Verde, exibia um enorme osso de Baleia no 
                  jardim. Era curioso, pois aquilo surgia da grama imponente 
                  feito um oceano e Kayan gostava do tal amuleto branco.
                  
                  Pois bem, o tempo 
                  passou e a família mudou-se para o Pontal da Barra. 
                  Literalmente dentro d’água, Kayan desenvolveu, enfim, suas 
                  habilidades maiores. O surf e a caça submarina foram as 
                  grandes paixões. Em cada onda, um sorriso, em cada mergulho, 
                  uma realização. Desportista nato fazia tudo com humildade e 
                  parecia não se importar com troféus. Kayan era um índio, um 
                  homem-peixe. Simples, amigo, bondoso, doce, pacato e alegre. 
                  Partiu exatamente no dia 19 de abril, dia do índio.
                  
                  Disciplinado como 
                  o sol, desenvolveu hábitos saudáveis, como o de comer pouco e 
                  com muita qualidade. Água, peixe, frutas e raízes. Essa era a 
                  dieta principal de quem tinha sede de viver, acordando cedo e 
                  aproveitando cada instante como se fosse o último.
                  
                  Intrigado, não 
                  conseguia entender como alguém podia, por exemplo, poluir o 
                  mar ou cortar uma árvore. Generoso, tinha a família e os 
                  amigos como tesouros verdadeiros. O caloroso abraço e a 
                  receptiva voz ao telefone eram marcas registradas. Quando o 
                  tempo permitia, Kayan sorria, levantava de madrugada, caçava 
                  seu próprio alimento e ia dormir com a chegada das estrelas. 
                  Esse era o seu ciclo pessoal. Coisa de ser humano preservado 
                  em pleno corpo físico, em alma pura, em atitudes magníficas. 
                  Costumes de um homem consciente e integrado à natureza.
                  
                  A não-violência, a 
                  generosidade, o trabalho ético, o amor pelo próximo, a 
                  disciplina em manter-se saudável, o companheirismo e a garra 
                  em conseguir aquilo que queria, foram valores cultivados por 
                  ele. Tudo feito com modesta discrição, doação incondicional e 
                  amor verdadeiro.
                  
                  Kayan se foi, e 
                  isso é uma dolorosa verdade. Difícil de aceitar a esdrúxula 
                  situação, a novela de capítulo surreal que transformou águas 
                  de bênção, num flerte fatal. Mas, pensem comigo: a aventura 
                  acabou? Jamais! Seu magnetismo, o sorriso constante, a força 
                  das convicções, a calma, a paz de espírito. Como foi bom 
                  conviver contigo, meu amigo.
                  
                  Conto somente mais 
                  duas dessa figura espetacular. Quando Kayan entrou para a 
                  política, questionei: - Ô cara, você tem vocação pra isso? 
                  Respondeu-me sem hesitar: - "Vou tentar falar por aqueles que 
                  mal sabem que existem". Em outra ocasião, perguntei: - E aí, 
                  quando é que vai trocar esse carro por outro melhor? Sorriu, e 
                  me disse: - "Isso fica pra depois. O que me importa é que ele 
                  ande bem, assim como a vida".
                  
                   O mar, as 
                  ondas, o barco, o porto. Kayan Porto. Que sonho cortante! 
                  Quanta saudade, meu querido amigo... 
                  
                  Fábio Amorim – 
                  Amigo de Kayan e escreve para uma coluna automotiva do Jornal 
                  Gazeta de Alagoas.